sábado, 16 de agosto de 2008

Seu Jorge

Aquele dia ia ser especial,Seu Jorge acordara pensando nisso.Ás vezes tinha sonhos premonitórios,alguns se consumavam,outros não,mas ele confiava no que sentia. Era um sujeito forte,já passara dos 80 anos,mas ainda tinha muita lenha para queimar, diziam seus amigos da bocha.Ele era o único da turma que ainda corria todas as manhãs na praia ,batia uma bola com os netos,saia a noite para dançar e ainda paquerava umas "meninas",meninas a seu dizer eram as senhoras que frequentavam a praia como ele.Ao contrário dos seus amigos nunca gostara de bingos,achava coisa de gente velha que não tinha o que fazer,ele ao contrário, preferia coisas mais animadas,o baile foi uma descoberta de pouco tempo,havia lido no jornal do bairro,que iria ser inaugurado em breve,pertinho da sua casa,o espaço de dança "Gafieira do Fiote",bem,o nome era estranho,mas deveria ser bom,no mínimo iria se divertir,pagar pouco e ainda com sorte ter algumas aventuras amorosas descompromissadas..Alias esse na verdade era o grande interesse dele,conhecer mulheres,adorava-as.Desde que ficara viúvo,ha 7 anos ,so pensava nisso.Depois de ver num programa vespertino de televisão os beneficios de um remédio "milagroso" para impotência sexual,começara a tomar por precaução,claro,ele não precisava ,mas o medo de falhar na cama era tão grande que preferiu se previnir,mesmo o médico não recomendando, não quis nem saber,comprou assim mesmo no camelô da esquina,agora com aquelas benditas pilulas azuis ninguém o seguraria,se sentia como nos velhos tempos.
A tarde chegara e ele ja todo perfumado e com o habitual short de corrida,saiu para praia,antes se lembrou que tinha que ir ao banco pagar algumas contas que estavam pendentes,desceu a rua e antes de chegar viu uma aglomeração estranha na frente do estabelecimento,pensou que poderia ser um assalto ou coisa parecida,mesmo desconfiado,resolveu chegar junto ao povo para saber o que estava acontecendo,mas como a conglomeração era grande não conseguia enxergar nada,derepente viu sua vizinha Eulalia ,a maior fofoqueira do bairro,em meio a balburdia , perguntou:
-Dna Eulalia,que confusão é essa?
-O mundo esta perdido mesmo Seu Jorge,tem uma moça na porta do banco,so de calcinha.
-De calcinha?Como assim?
A muvuca não parava,todo mundo gritando para a moça tirar tudo,uns vaiando,outros mandando beijos,outros aplaudindo,a comoção era forte.Vendo tudo isso Seu Jorge não resistiu e avançou em meio a multidão para ver tudo mais de perto.Depois de muito sacrificio,conseguiu e viu que era a moça da novela,uma atriz famosa.Ela estava só de calcinha,parecia estar chorando,revoltada.Seu Jorge apurou os ouvidos e escutou que o guarda a tinha impedido de entrar porque a porta apitara, mesmo depois da moça deixar a bolsa na parte de fora,ela revoltada resolvera tirar a roupa para mostrar que não tinha nada escondido no corpo.Coitada,pensara seu Jorge,que humilhação deveria estar passando naquele momento,varias vezes também já tinha sido barrado na porta so por causa de uma chave ou do guarda chuva,mas nunca chegara a esse ponto ,de ficar quase nu,isso era inusitado,nunca vira nada parecido em tantos anos de vida, não estava reclamando muito,claro,a visão era dos deuses,a mulher era linda mesmo,mas a situação era muito degradante para qualquer um,quanto mais para uma atriz famosa.Em pouco tempo o local já estava dobrando de gente,os reporteres já estavam chegando e a policia acabara de estacionar os carros ,a confusão era geral.Depois de muito bate boca,a moça acompanhou os policiais até a delegacia.Seu Jorge ficara pensativo,tinha pena da moça,raiva dos bancos,que além de cobrarem altas taxas das pessoas ,ainda as faziam passar por isso,tambem entendia o segurança,eles, afinal deveriam estar cumprindo ordens,sua cabeça estava confusa,a única coisa que sabia, era que ia ter muita coisa para contar a noite no baile.Pensava muito também naquela mulher,fazia tanto tempo que não via algo tão belo , aquele corpo cheio de curvas .Ele era um homem de muita sorte mesmo,naquela idade ainda poder ter aquela visão dos deuses,isso só poderia ser uma previsão do que iria vir mais tarde,precisava comprar mais daqueles remedinhos.A noite prometia.

Alex Penedo

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Herói

Eu era ainda muito pequeno quando comecei ter a noção do mundo.Me lembro de ver aquele ser enorme(pelo menos para meu tamanho era gigantesco) com uma caixa na mão ,me separando de minha mãe.Estava tão quentinho,sentia a respiração dela e isso me dava segurança,até que ele chegou,sem nada dizer,ou pelo menos eu não entendia suas palavras,sei que me pegou sem muito jeito e me jogou naquela caixa fria de papelão,comecei a chorar,escutava minha mãe urrar de dor pela nossa separação,meus irmãozinhos chorarem também,mas aquela criatura sem coração nem deu bola,bateu a porta da casa e selou meu destino para sempre.Quando acordei estava num lugar estranho,frio,com pessoas que nunca tinha visto antes.Todos me olhavam,mexiam em mim,pelas caras não pareciam ser más,na verdade estavam sorrindo ,falavam várias coisas que eu não compreendia,tudo isso parecia ter durado horas,mas na verdade foram minutos intermináveis,tudo que queria era voltar para minha caminha quente ao lado da minha mãe e dos meus irmãos.Mais tarde veio uma dessas pessoas e enfiou algo na minha boca,depois vim a saber que isso se chamava mamadeira,sei que tinha um gosto estranho,o conteúdo parecia leite,apesar de ser bem diferente do que eu conhecia até então,era até gostoso,quentinho.Estava com fome,acabei bebendo tudo e adormecendo novamente.De repente acordei com uma dor estranha,algo na minha barriga me incomodava,no começo a dor era fraca,mas depois de algum tempo foi aumentando até ficar insuportável.Comecei a urrar de dor,gritava até não poder mais,pensava que ia morrer.Ouvi passos,na minha frente apareceu uma menininha,me olhou com ar de compaixão,me pegou no colo e começou a me fazer massagens,no começo estava desconfiado mas depois deixei me tranquilizar em seu colo,era boa a sensação,aquela quentura me lembrava da minha mãe,fui melhorando,me sentindo confortável na companhia daquele pequeno ser.
Os dias foram passando na velocidade de um foguete,ainda sentia muita falta dos meus,mas fui me acostumando com aquela casa,com aquelas pessoas,no começo estranhas,mas hoje já próximas de mim,não tinha do que reclamar,era tratado como um príncipe.Todas as horas iam brincar comigo,ver como eu estava,no começo me traziam leite,depois com o tempo,era comida sólida e água fresca que vinha.
A vida era boa, mas haviam momentos difíceis também,a primeira vez que vi aquela criatura de branco não imaginei que ele me traria tantos dissabores,mas que as vezes me faria bem também,me tiraria de alguns apertos, como aquela que engoli uma bolinha de gude e ele só com um toque me salvou, mal sabia eu que ele faria parte da minha vida para sempre.Aquele homem de ar dócil,as vezes podia se transformar na pior das criaturas,era o "Cão" em pessoa(com o perdão da palavra),me levava para dentro de uma sala fria,toda azulejada,la dentro havia um outro também de branco,cúmplices talvez,deviam fazer parte de alguma seita,lembro que eu tremia de medo só de -los ,la praticamente me reviravam do avesso,mexiam nas minhas orelhas,olhavam minha língua,meus olhos,até no meu bumbum tocavam,isso quando não me enfiavam agulhas com um liquido dentro,eu tentava me defender como podia,mas não havia jeito,além de serem maiores e mais fortes ,eram em dois,covardes isso sim,mexer com uma criatura tão indefesa como eu,o pior de tudo que aquela menina bondosa que cuidava sempre de mim,nada fazia para me defender,nem se incomodava,deixava eles fazerem o que bem quisessem ,o mundo era muito louco mesmo,eu tinha muito que aprender.
Os anos foram passando,fui crescendo e entendendo algumas coisas,uma delas que nunca seria livre o bastante para ir aonde quisesse,teria minhas compensações,seria sempre protegido,nada me faltaria e ainda teria sempre a confiança dos meus,os protegeria sempre,afinal agora eu era o "homem" da casa e faria jus a isso,se precisasse daria minha vida por eles.
Numa de minhas inúmeras idas naquele homem de branco,enquanto aguardávamos nossa vez de entrar,estava escondido atrás das pernas de minha pequena amiga,quando escutei algo que me chamou atenção,algo que parecia brincadeira mas era real,um garoto havia mordido um cão ,isso mesmo, eu não havia entendido errado,o inimaginável acontecera,meu Deus,o mundo estava perdido mesmo,não existia lugar mais seguro daqui para frente, eu teria que estar atento a tudo e a todos.Chegara minha vez de entrar naquela sala,entrei e la estavam mais uma vez os malfeitores,em um deles pude notar algo que não percebera nas outras vezes que la estivera,estava escrito em uma plaquinha em seu jaleco a palavra veterinário,então o nome dele era esse,desse vez ia se vingar desse homem com nome estranho,assim que o pegasse no colo,ia morde-lo tão forte que ele não iria esquecer.Quando me preparava para consumar o fato eis que me lembrei daquela noticia,era melhor não brincar,os humanos estavam ficando muito perigosos.Preferi ficar quieto e aguentar a dor.Era melhor um covarde vivo do que um herói morto !

Alex Penedo

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Espera ingrata

Já era a terceira vez no dia e nada.Nada.Ela não sossegava na cadeira da sala,a todo minuto ia olhar na janela,era só ver alguém com uma cor de roupa amarela,que já pensava que era o carteiro.Essa espera parecia estar durando séculos,na verdade eram 2 meses no máximo,mas em sua cabeça durava uma eternidade.Porque o universo estava conspirando contra ela?Bem agora que tinha encontrado o homem da sua vida,o homem que ia fazer sua vida virar de cabeça para baixo,que faria suas noites intermináveis de prazer,pensava.Estava certo que ela ainda não o conhecia pessoalmente,só o tinha visto uma vez e ainda assim pela pequena foto na revista,ainda lembrava o título da reportagem "Cantinho do coração", que lindo, pensou quando o viu,nunca havia se interessado por alguém através de uma revista,mas dessa vez era diferente, coisa do destino,os astros estavam a seu favor,tinha lido naquele mesmo dia na parte de horóscopo do jornal que ela encontraria sua alma gêmea naquela semana,não acreditava nessas coisas,mas um segundo depois estava com a "bendita"revista na mão e via que era tudo verdade,seu destino estava traçado.Não perdeu tempo,arrancou uma folha do caderno e começou a escrever a carta que mudaria sua vida.Começou elogiando o destinatário,dizendo o quanto era bonito,para depois começar a falar de si,disse que era jovem,bonita,boa família,corpo esguio,loira de olhos claros,recatada e evangélica,bem, nem tudo era verdade, tinha um pouco de exagero nisso tudo,bem pouco, que ela era meio gordinha,fofinha costumava dizer aos amigos, morena de olhos castanhos(nada que tinta e lentes não pudessem mudar),recatada era a única mentira da carta,era bem espevitada na verdade,mas isso ninguém precisava saber,evangélica ela era, mas tinha se batizado assim,igreja que é bom já tinha muitos anos que não ia.Depois de mais alguns elogios,disse que esperava rápido uma resposta.Foi ao correio e postou no mesmo dia.Agora era só esperar.No dia seguinte viu a manchete nos jornais,os carteiros haviam entrado em greve.Pouca sorte,pensava ela,agora que ia desencalhar,vem uma notícia dessas.Foi olhar no jornal novamente,ver o que os astros lhe diziam.Amor em baixa.Como assim?O amor tinha que estar em alta,havia um homem em outro estado apaixonado por ela,só esperando a greve acabar para vir lhe dar tudo de bom que merecia.Mentira,esse horóscopo não dizia a verdade,estavam todos contra ela,contra esse amor de novela,quando essa greve acabasse todos iriam ver o batalhão de cartas que iria chegar ,com certeza ele deveria estar tão desesperado quanto ela.Dias se passaram,até que chegou a grande notícia,a greve havia sido encerrada.Ela agora passava os dias esperando,mas nada.Aonde estaria?Devia ter extraviado,com certeza,mas se extraviou,porque ele não mandara outras?Todas teriam se perdido?Estranho.Bem não podia fazer muita coisa,apenas esperar,e essa espera estava se tornando angustiosa.O carteiro aparecera.Pronto,tudo estaria resolvido.Correu até ele,só havia duas correspondências,um era o jornal ,o outro uma revista,mas nenhuma carta.Desespero.A ficha caíra,o calhorda não havia respondido sua carta mesmo.Os homens eram todos iguais ,só ela mesmo para acreditar nesse tipo de romance,se pessoalmente já era difícil,imagina por carta.Nunca mais.Desencantada,abriu a revista,leu o resumo das novelas,quando já ia fechar,por curiosidade, acabou dando uma olhada nos "recados do coração".Havia alguns homens interessantes.Será?A tentação era grande.Achou que não faria mal arriscar de novo,essa seria a última vez,prometera a si mesmo.Por via das dúvidas pegou o jornal e foi direto a parte zodiacal.Seu amor a esta esperando,de chance ao desconhecido,dizia seu signo.Iria tentar.Agora sim o universo estava a seu favor.

Alex Penedo

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Apagão


Toda a noite a mesma coisa,pegar o suco de laranja,o sanduiche de pão com mortadela,calçar os chinelos e sentar na mesinha em frente a janela principal do apartamento,era la que ficava o item mais caro do pequeno apartamento,o computador.Por mais estranho que parecesse,ele não o considerava apenas uma máquina,era mais do que isso,era seu melhor amigo,era com ele que podia contar nas noites intermináveis de insônia,era nele que se transformava em qualquer pessoa nas salas de bate papo,podia ser Renato,médico famoso da capital ou André surfista carioca ou até mesmo Luciano lutador de jiu jitsu,tudo dependia do seu humor ou das preferências da moça que estava do outro lado da telinha.Toda noite a mesma coisa,não via a hora de chegar em casa para começar seu ritual diário,mas aquela foi diferente.O computador ligara normalmente,os fios estavam todos em ordem,a conta telefônica tinha sido paga,epa,será que ele tinha esquecido??não,não poderia ser,isso nunca tinha acontecido antes,apesar que nas ultimas semana sua cabeça estava meio fora de sintonia,ainda não esquecera o tom de seu chefe brincando seriamente de ser Roberto Justus:
-Esta demitido!!!
Porque???até hoje não entendia,sempre fora um bom funcionário,chegava sempre mais cedo do que os outros,era o último a sair,sempre se oferecia para fazer as horas extras,o seu único defeito era ficar alguns minutinhos por dia no horário comercial falando no bate papo,mas isso o chefe nunca vira,a menos que colega de trabalho,sua vizinha de mesa ,tenha contado,bem isso não seria surpresa,vindo dela ,alias ,nada era surpresa.Estava desempregado mais uma vez,mas até que não seria de todo mal,agora sobraria mais tempo para ficar em frente ao computador,com as economias da rescisão poderia sobreviver por um tempo e ainda sobraria algum para comprar uma máquina mais potente.
Mas agora essa,a internet não funcionava.Desespero.Tudo o que tinha de melhor o estava abandonando,primeiro o emprego e agora seu melhor amigo não dava sinal de vida,deveria ser praga de alguém,não era possível.Depois de tentar se conectar de todas as formas,se lembrou de ligar para a Telefônica.Ocupado,tentou mais uma vez,ocupado,mais mil vezes,sempre ocupado.O mundo estava contra ele.Começou a chorar,tinha certeza que se ele não entrasse na internet naquele dia ,seria substituído por outros Renatos,Andrés ou Lucianos,não sobraria mais espaço para ele naquele mundo virtual.Tinha certeza que agora sua vida perdera a graça de vez,resolveu sair ,tentar uma lan house,talvez la houvesse vida virtual.Pegou o onibus e sentou ao lado de uma moça,no começo nem reparou,mas depois mesmo sem querer,começou a perceber sua conversa no celular,ela estava falando do mesmos problemas que os dele,sua internet não funcionava,toda São Paulo tinha tido um apagão ,dizia ela,coincidência,existiam pessoas iguais a ele,que pensavam como ele,agora so tinha que ter coragem e começar puxar papo,no começo foi difícil,depois de um oi tímido,o papo fluiu,afinal tinham tantas coisas em comum,em poucos minutos foi como se já conhecem a horas,almas gêmeas mesmo.Marcaram um encontro para o dia seguinte,encontro real a bem dizer.Em 1 semana já estavam namorando.O computador?Esse foi vendido para um primo distante,ele descobriu que amores reais eram bem melhores que virtuais.

Alex Penedo

Mãe de verdade

A leiteira assoviava a horas.Um barulho alto.Aquele som chato,zunindo nos ouvidos de Edna não a tiravam do seu transe.Estava horas com aquele pedaço de jornal na mão,sem acreditar na notícia que lia, uma mãe jogara sua própria filha pela janela,parecia surreal,ainda mais para ela que há anos lutava para ficar grávida e não conseguia.Quanto mais lia,menos acreditava e mais revoltada ficava,como podia Deus lhe negar uma graças dessas e ser generosa com esse tipo de mulher ,se perguntava.
A vida de Edna não estava sendo fácil,desde que se casou com Gilberto,depois da lua de mel tinha uma coisa na cabeça:ser mãe,não que que Gilberto também não pensasse nisso,pensava claro,mas não era igual ,para ela era uma questão fundamental,até porque todas suas irmãs e cunhadas já haviam tido filhos,ela era a única "ventre seco",como dizia uma de suas cunhadas invejosas,e isso a incomodava muito.Ainda se lembrava do último Natal na casa dos pais de Guilherme,quando Dna Gilzete na hora de cortar o peru falou:
-Agora todos fazendo pensamento positivo,no próximo ano,a Edna vai ter uma surpresa para nós,se Deus quiser!!!
Vermelho,sim, vermelho, a cor que mais a definia naquela hora,talvez porque era essa a cor que estava em seu rosto.Humilhação.Edna prometeu a si mesmo que faria tudo,tudo mesmo,mas que no próximo ano estaria grávida.Assim começou sua via crucis,exames e mais exames,tudo em ordem com os dois,como constataram os médicos,foi do candomblé a igreja evangélica,da católica a umbanda,até a uma espírita que materializava objetos no algodão ela foi.E nada.Se não tinha problemas,porque não engravidava, pensava ela.Talvez carma,talvez tinha sido muito ruim em outra encarnação ou como dizia sua avó Maria,não era merecedora de ser mãe.Edna não aceitava,alguns amigos já tinham sugerido a ideia de adotar uma criança,afinal ,diziam eles,com tantas crianças abandonadas por aí precisando de carinho e atenção,mas Edna achava que isso seria aceitar a derrota,isso sim seria humilhação ,dar munição para os vizinhos e parentes falarem dela,e isso não iria aceitar de jeito nenhum.O tempo foi passando e nada,Edna ficando cada vez mais nervosa,descontava qualquer coisa em cima do pobre marido,parou de trabalhar,de limpar a casa, não tinha mais alegria para nada,com isso até seu casamento foi para o brejo,Guilherme um dia pegou suas trouxas e se mandou para casa da mãe.Edna nem ligou,melhor, dizia ela,agora não vai ter mais cobrança de nada e nem de nínguém.Com o tempo foi se acostumando a ficar sozinha,a vida foi retomando a normalidade e ela foi esquecendo seu sonho de ser mãe.Um dia ao atravessar a rua deu de cara com seu ex -marido com um bebe no colo,achou estranho,será que Guilherme havia se casado novamente e tido um filho?conversa vai,conversa vem,ele contou que havia se casado com uma colega de serviço que já tinha um filho ,depois de alguns meses essa moça fugiu e o deixou com o bebe.Gabizinha era seu nome,toda rosadinha,tinha completado 1 ano semana passada.Foi amor a primeira vista.Seu instinto materno havia voltado com tudo.Guilherme deu a idéia de a criarem juntos.Era a coisa que mais queria,aliás era muito mais do que imaginara.Virou mãe.Hoje ao meio de fraldas sujas e noite mal dormidas,Edna se sente satisfeita.Deus escreve certo por linhas tortas.

Alex Penedo

Justiça

Justiça era seu nome.Justiça.Sim,podia parecer estranho,mas foi sua mãe,Dna Dorinha
que a tinha batizado com esse nome,Justiça de Oliveira Ferraz.Na hora do parto,se lembrando de toda dificuldade que teve ao se casar com Seu Fernando,homem de posses e ainda por cima branco,foi o primeiro nome que lhe veio a cabeça,bem,na verdade o primeiro foi "vingança",mas esse seria um nome estranho para um toquinho de gente não é?!Apesar da perplexidade de todos,e o coro contra,foi esse nome que ficou.Dna Dorinha era a teimosia em pessoa, alguns anos atrás,20 precisamente,no baile do Clube de Jaboticabal,ela conheceu Fernando,loiro,de olhos claros,alto,filho de funcionários públicos,era o mais disputado dos homens da pequena cidade,quando Dorinha o viu pela primeira vez,todo elegante,de terno azul,cheiroso que só,pensou:
-Ah esse homem vai ser meu!!!
Quando começou a tocar aquelas músicas que tanto conhecia da Jovem Guarda,la foi ela,
toda rebolativa pelo salão,jogando seu charme e mostrando o que tinha de mais bonito:as pernas,e que pernas,tão formosas que até Seu Jonas da farmácia,seu maior admirador oculto, exaltava sempre suas coxas,claro que escondido de Dna Vitória,italiana de sangue quente,falada na cidade pelas supostas agressões ao marido com toalha molhada.Fernando que não era bobo e nem nada,logo percebeu aquela mulata faceira,de corpo bonito e sorriso cativante, e foi logo se jogando,pegando a moça pela cintura e dando um show no meio do baile,dali para o namoro foi um pulo e um escândalo em toda cidade,principalmente na casa dele,seus pais não aceitavam a ideia de jeito nenhum,preconceituosos ao extremo nem podiam imaginar a ideia de ver o filho namorar,como diziam, uma "moça de cor",quanto mais casar e quiçá ter filhos mulatinhos,seria a vergonha da família,mas contra o amor não tem jeito,em
5 meses estavam casados e ela grávida do seu primeiro filho.Depois de muitas dificuldades e uma gravidez complicada,Justiça nasceu e com ela um pouco de paz na vida do casal.Assim os anos foram passando,a menina foi crescendo, com o peso do preconceito e do nome,afinal não era qualquer um que podia levar nas costas um nome desses,virou mulher e com a maturidade veio as formas exuberantes do corpo que tanto mexiam com a imaginação dos rapazes e a decisã,o até então, mais importante da sua vida ,a entrada na faculdade.Claro que com esse nome poderia ter escolhido mesmo o curso de Direito,queria lutar contra as diferenças desse mundo,contra o preconceito bobo das pessoas,queria mudar o mundo e nisso tinha o total apoio dos pais,o que não entrava mesmo na cabeça de Dna Dorinha era que Justiça não queria aproveitar o sistema de cotas que o governo oferecia para as pessoas de cor negra,afinal em sua cabeça,depois de séculos de escravidão e todo tipo de humilhação,nada mais justo do que uma
reparação do governo,mas Justiça não queria nem ouvir falar disso,preferia estudar,estudar e estudar no seu cursinho particular e deixar essas vagas para quem necessitasse de verdade,achava que não deveria haver cotas para negros e sim cotas para quem não tivesse condições financeiras para pagar uma universidade,independente da cor de pele.E como ela desejou, aconteceu,passou em primeiro lugar no curso de Direito em uma universidade importante da capital,sem cotas,mas com
muito esforço e dedicação.Algum tempo depois descobrira que Renata,negra também,filha de
uma ex- empregada sua, tinha sido aprovada , que em outra faculdade,num sistema parecido com o de cotas.Justiça ficou satisfeita.Achara que justiça tinha sido feita.

Alex Penedo

Desilusão

João chegou a São Paulo em 1962,tinha 18 anos e um sonho:virar caminhoneiro.La na Bahia já tinha tentado de tudo,de biscate a ajudante de pedreiro,não era um mal ajudante,mas seu sonho ia mais adiante,mais precisamente na terra da garoa,a terra aonde seu Joaquim tinha ido morar anos antes ,aonde fez fortuna reciclando lixo,eta palavra bonita:"reciclar",até nisso São Paulo tinha diferença,nas palavras complicadas.
Um dia veio a grande notícia:seu Joaquim comprara um caminhão e estava precisando de alguém para ajudar no serviço.Era a grande chance,mais do que isso,a chance de sua vida.Choros e recomendaçoes de" mainha",la foi João, com poucas roupas na maleta e muitos sonhos na cabeça. Vários dias se passaram ,em uma viagem estafante de pau de arara,assim chegou João na cidade grande.À primeira vista assustadora,com tantos prédios e pessoas distraidas ,ou seriam antipáticas?sérias ??João não sabia,o que percebia é que não olhavam para ele,aliás não olhavam para ninguém ,a não ser para seus próprios narizes e assim João foi conhecendo a tal cidade grande,foi trabalhando para seu Joaquim,primeiro como ajudante,depois da tão sonhada carta tirada,virou o condutor do pequeno caminhão e de tostão em tostão comprou seu próprio caminhão,assim seguiu a vida,depois de conhecer Catarina,boa moça da terrinha, se casou e teve uma menina,seu nome:Vitória,homenagem a sua vida,assim imaginava João,agora ,Seu João,de menino a homem trabalhador,não pensava ter mais nenhuma novidade na vida,afinal ja tinha passado de tudo nessas estradas ,de assalto a mulher da vida,mas uma surpresa ainda o aguardava,ja perto da aposentadoria seria impedido de andar nessa cidade que tanto amava,não acreditava,mas contra a lei não podia fazer nada.Alguns amigos caminhoneiros como ele o convidaram para uma manifestação na praça de Sé em favor do transito livre,apesar do contra de Catarina la foi Joao lutar pelo seu ganha pão,depois de horas embaixo do sol que castigava sua cabeça e de muita gritaria,ele sentiu uma forte dor no peito,desfalecendo no chão,seria emoção?não,seu forte coração não aguentou essa desilusão ,assim João se foi,lutando por aquilo que tanto acreditou,mas nem tudo foi em vão,um dia será lembrado por lutar por aquilo que tanto amou

Alex Penedo